Chegada a Altamira

Altamira, madrugada de 16 para 17 de janeiro de 2012
Sede do Movimento Xingu Vivo Para Sempre, pernas doloridas das picadas de pium, cidade silenciosa e deserta ao redor

Depois que a Hilux do generoso fazendeiro de gado e madeira nobre nos deixou na avenida Alacid Nunes, uma das grandes vias aqui de Altamira, e que contemplamos cansados e aliviados o rio Xingu a partir da varanda daquele restaurante, fomos procurar a casa da Wanessa e do Wanderson, que com cuidado enorme têm nos acolhido na cidade.

Logo encontramos a torre da tevê Liberal, que era nosso ponto de referência. (O grupo Liberal é o maior monopólio paraense de comunicação: dono do principal jornal de Belém, de emissoras de rádio e da retransmissora da Globo no estado. Depois descobrimos que a cidade de Altamira não tem jornal impresso próprio e, como mídia local, conta apenas com telejornais em três canais de tevê; a única voz dissonante é a da emissora Santa Terezinha, de propriedade da Prelazia do Xingu.) Em casa nos juntamos ao Marcinho, chegado no dia anterior. Delicioso e inusitado isso de matarmos as saudades dele em Altamira.

Pensávamos que descansaríamos do trajeto para finalmente começar, no dia seguinte, as conversas e visitas que ansiávamos por fazer. Mas alguém teve a lembrança de que seria bom darmos um alô pessoalmente a Dom Erwin, bispo da Prelazia do Xingu (sua biografia está aqui http://pt.wikipedia.org/wiki/Erwin_Kr%C3%A4utler), com quem tínhamos marcado uma conversa para a tarde daquele dia que, infelizmente, o tempo das caronas tornou impossível.

 

Banner no escritório do Xingu Vivo homenageia a luta do bispo Dom Erwin.

 

Verificamos no mapa o endereço da Prelazia e nos pusemos a caminhar. Nosso bairro aqui na cidade fica a uns 30 minutos de caminhada do centro (que beira a orla do rio). No trajeto Altamira se apresentava a nós, noturna, estranha e mutante. Perguntamos em três ou quatro pontos onde poderíamos encontrar o bispo, até chegarmos à catedral de Altamira, em que Dom Erwin terminava, paramentado sobre o altar, de celebrar a missa do segundo dia da novena de São Sebastião — padroeiro do município. Sentamos nos bancos do fundo da igreja, e nosso alô se transformou num aperto de mão em que desejamos a paz de Cristo ao prelado do Xingu.

Aguardamos o bispo ao final da celebração. Vimo-lo entrar novamente na nave por uma porta lateral ao altar, um homem altivo e sereno em camisa pólo, caminhando em passos firmes e trazendo papeis sob o braço. Nos viu e disse “Ah, eu sabia que eram vocês. Quem é a Diana?” — inquirindo entre as duas mulheres do grupo para saber qual era aquela que lhe havia feito os telefonemas.

Conheceu a Diana e elogiou seu piercing de argola no nariz. (“Oh, que bonitinho!”, e uma risada solar.)

Conheceu a todos nós, contou que no dia seguinte pela manhã o Movimento Xingu Vivo Para Sempre se reuniria, disse que telefonaria à sua presidente para saber se poderíamos comparecer ao encontro, e combinou de nos ligar em seguida confirmando nossa ida e informando o endereço.

Deixou a igreja secundado pelos dois seguranças que o acompanham. Da mesma maneira que os bispos de Santarém, Alenquer e Marabá, o prelado de Altamira está sob ameaça de morte graças à sua militância em favor da justiça social e dos povos da floresta.

O celular do Marcinho tocou quando estávamos já a caminho de casa, depois de comermos mingau na saída da missa (mingau é o nome que aqui se dá ao que chamamos, em São Paulo, de canjica) e conversarmos com Ângela e Eduardo, ela altamirense e ele belenense, um casal muito ativo na comunidade eclesial da Prelazia, que vive há três décadas na cidade mas que se muda ao final de fevereiro para Santarém. O filho deles já estuda lá, o que forneceu o pretexto que faltava para que eles fugissem do que veem como o caos tomando conta de Altamira. As histórias e histórias que nos contaram durante os cinco quarteirões que caminhamos lado a lado foram uma pequena (e já impressionante) amostra dos alucinantes impactos, já gritantemente visíveis, que a população e o espaço urbano de Altamira sofrem com as movimentações do Consórcio Construtor de Belo Monte desde o início de 2011.

O hotel começa a ser construído agora, já sabendo que pode negociar seus leitos com doze meses de antecedência. O mercado da cidade está inflacionado com a presença do CCBM.

Sede do Movimento Xingu Vivo, disse Dom Erwin por telefone ao Márcio: esquina da rua Sete de Setembro com a rua Lindolfo Aranha, em frente ao Hotel Lisboa, que foi comprado pelo Consórcio Construtor de Belo Monte como uma das muitas diferentes estratégias para abrigar a enorme quantidade de trabalhadores seus que precisam se hospedar na cidade.