De Manaus a Juruti

Rio Amazonas, 2 de janeiro de 2012
A bordo do navio-motor Luan, saído de Manaus com destino a Juruti. 19h em Manaus

Chegamos aqui no último dia do ano por volta das 13h no horário local (15h em São Paulo) e, logo ao sairmos pela porta do avião, o calor e a umidade nos deram as boas-vindas. Bem-vindos a Manaus, a metrópole amazônica. Com pouco mais de de 2 milhões de habitantes, a cidade está engastada no meio da floresta.

No trajeto do aeroporto até a casa de nosso anfitrião local passamos por boa parte da cidade, incluindo as obras do estádio que abrigará alguns jogos da Copa de 2014, mensagens de boas-festas de uma senadora em alguns outdoors, muito comércio popular e pessoas por todo lado com fortes traços indígenas, gente linda, forte e curiosa sobre nós.“Oi, falam português?”, perguntou um guia turístico local ainda no aeroporto.

No bairro do Coroado, zona leste da cidade, o Arthur (namorado de uma amiga de infância do João, lá de Bauru) já nos esperava há um bom tempo. Cara simpático, robusto, traços igualmente fortes, professor de história recém-aprovado no concurso da rede estadual, nos aguentaria durante muitas conversas pelos dois dias que se seguiram.

Depois de um banho e uma soneca curta, pegamos um ônibus para o centro da cidade e passamos os pontos turísticos desertos: a Praça da Saudade recentemente restaurada, as construções antigas do ciclo da borracha, o Teatro Amazonas e o calçamento português do largo em frente a ele, onde ondas pretas e brancas como as das calçadas de Copacabana (que o Arthur diz que foram cópia dali) aludem ao encontro das águas. Ainda fomos ao porto buscar informações sobre o próximo barco para Juruti e Santarém.

Quando faltavam 40 minutos para a chegada de 2012, estávamos no terminal de ônibus chamado de T1. A intenção era tomar a linha 120 para chegar a tempo de ver a queima de fogos na orla do rio Negro. Mas o tal coletivo nunca chegou e ali mesmo, aos abraços, compartilhamos a virada de ano. Pouco tempo depois resolvemos andar. Caminhamos por mais de três horas até a Ponta Negra, onde o rio faz uma prainha.

Era um dos quatro pontos da cidade em que a prefeitura havia organizado shows para a programação oficial da virada. Quase lá, avançávamos contra a corrente das muitas famílias, casais e grupos de amigos que voltavam da comemoração com sandálias nas mãos, crianças e bebês adormecidos nos colos, rostos cansados e felizes apinhando os pontos de ônibus à espera dos primeiros carros da madrugada — do ano.

Na Ponta Negra, com os músculos e os pés doídos, nos juntamos a muita gente que ainda permaneceu na orla, conversando na areia ou tomando banho. A praia nesse ponto desce suave, sem tombo, e entrando no rio o corpo sentiu aos poucos o calor (mesmo na madrugada) das águas pesadas, escuras, macias do rio Negro. As roupas ficaram no último banco de areia da prainha (daquele ponto em diante, máquinas da prefeitura faziam obras na praia durante a noite toda, talvez para ampliar a área do pequeno balneário) e passamos o restante das horas escuras dentro das águas, até o nascer do sol. Assistimos, mergulhados no rio Negro, ao ano amanhecer.

Manaus está na margem norte do rio Negro. De onde olhávamos, à esquerda era o caminho de quem sobe o rio até chegar a São Gabriel da Cachoeira, último município do Amazonas e fronteira com a Colômbia e a Venezuela. À nossa direita era o leste: víamos a ponte que liga a metrópole à outra margem (cuja construção começou há oito anos, foi encerrada há dois meses e cheira a superfaturamento, e cuja inauguração contou com a presença da presidenta Dilma que, segundo o Arthur, não aguentou o calor e desistiu da travessia); víamos também os primeiros clarões do sol trazendo o dia 1º de janeiro, e víamos as luzinhas do porto de onde devíamos sair no dia seguinte, segunda-feira, para descermos o rio Amazonas e chegarmos ao Pará.

O encontro do rio Negro com o Solimões fica um pouco para a frente de Manaus, algo como meia hora depois da partida do barco. Aí vimos, hoje, as águas barrentas do Solimões se juntarem às nossas águas negras para formar, a partir daí, o Amazonas.

Esta é a primeira viagem que o navio-motor Luan, barco de ferro de três andares, faz na linha Manaus – Oriximiná (antes ele navegava entre Santarém e Macapá). Sairá daqui toda segunda às 12h para chegar em Orixi nas terças, descansar por dois dias e voltar nas quintas-feiras. Nosso destino fica pouco antes de Oriximiná: é a cidadezinha de Juruti, próxima ao Lago Grande do Curuai, rica em bauxita que é explorada pela Alcoa, gigante internacional da produção de alumínio. Depois de passar a noite nas redes amarradas no segundo andar do barco, devemos chegar pelo final da manhã.

Agora às 20h20 o céu já não tem resto nenhum de luminosidade, e neste trecho também não se veem luzinhas nas margens do rio; o céu está nublado e o nosso barco avança rápido no escuro total do rio Amazonas.